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Saúde com Arte: Museu da Loucura (MG)

Saiba mais sobre o espaço, localizado em Barbacena, que resgata a memória da Assistência Psiquiátrica do Brasil

Publicado: 19/01/2021 | 12h22
Última modificação: 21/01/2021 | 11h54

Na série “Saúde com Arte”, o Centro Cultural do Ministério da Saúde (CCMS) divulga iniciativas espalhadas pelo Brasil que unam cultura, arte e saúde. No oitavo texto da série, conversamos com Lucimar Pereira, coordenadora do Museu da Loucura, que expõe no acervo as mudanças promovidas pelo Movimento da Luta Antimanicomial no País e que tiveram repercussão no projeto terapêutico do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (MG).

Se você faz parte ou conhece algum grupo que dissemina cultura, saúde e arte pelo Brasil, envie um e-mail para nós: ccms@saude.gov.br

por Mônica Quiroga (SAA/SE/MS)

Criado para resgatar a memória da Assistência Psiquiátrica em Minas Gerais, em 16 de agosto de 1996, o Museu da Loucura, primeiro do gênero no País, objetiva promover reflexões sobre o tema loucura, com uma abordagem desmistificadora.

O Museu apresenta a evolução na trajetória da Psiquiatria como especialidade médica a partir do século XIX e enfoca a instalação, em 1903, da primeira Instituição Psiquiátrica de Minas Gerais, conhecida nacionalmente como Hospital Colônia de Barbacena, apontando os caminhos e descaminhos percorridos ao longo da história.
Em meio à demanda crescente de pacientes, aos preconceitos e às imposições políticas, o hospital se torna um local de isolamento, exclusão e abandono, resultando em internações compulsórias e um modelo asilar cronificante. A partir da década de 1970, com a filosofia da Reforma Psiquiátrica, a atenção aos pacientes tem uma virada, voltando o foco para os princípios humanitários.  

Assim, o Hospício de Barbacena, depois, Hospital Colônia de Barbacena e, atualmente, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, passa a priorizar a humanização e o respeito ao paciente com transtorno mental.

Lucimar Pereira, coordenadora do Museu da Loucura, explica que o município de Barbacena, alinhado a esta nova concepção, promoveu a expansão de uma rede extra hospitalar, implantando os Serviços Substitutivos, que possibilitam a reabilitação psicossocial dos egressos de hospitais psiquiátricos, oferecendo as Residências Terapêuticas, além de criar outros mecanismos para fortalecer a Rede de Saúde Mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e o Centro de Convivência e Cultura.

Lucimar esclarece que o Museu assumiu este papel de Espaço de Memória, Reflexão e Contemporaneidade, promovendo a divulgação da superação pessoal e a reinvenção de uma concepção terapêutica para a reinserção social das pessoas com transtorno mental.

“A contribuição e solidariedade de cada um é fundamental para a transformação social. Os museus atualmente são entendidos como ambientes culturais e educativos e objetivam informar por meio da sensibilização, despertando a comunicação e a produção de conhecimentos e significados. Possuem um enfoque preservacionista, não para evidenciar um passado de triste memória, com os dramas ali vividos, mas para lançar luz sobre a verdade. Esta é a função social do Museu da Loucura!” – afirma ainda.

Para Lucimar, a função do Museu da Loucura é ter um "enfoque preservacionista, não para evidenciar um passado de triste memória, com os dramas ali vividos, mas para lançar luz sobre a verdade"

A história do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena

Contam historiadores que, por não possuir recursos hídricos satisfatórios, Barbacena perdeu para Belo Horizonte o título de capital mineira. Mas, como uma espécie de compensação, ganhou o Hospital dos Alienados, com capacidade inicial de 200 leitos – o Hospício de Barbacena.  

Assim, criada em 1903, inicialmente como Assistência aos Alienados do estado de Minas Gerais, a instituição foi instalada nas dependências do antigo Sanatório de Barbacena para tratamento de tuberculose, que estava desativado. O hospício, segundo registros históricos, está situado nas terras da antiga Fazenda da Caveira, cujo proprietário era Joaquim Silvério dos Reis, conhecido na história mineira como o delator do movimento dos Inconfidentes.
Pouco depois passou a se chamar Hospital Colônia de Barbacena. Um centro hortigranjeiro, oficinas, olaria e carpintaria compunham o complexo.   
Nos primeiros 30 anos de funcionamento, o Hospital Colônia foi uma instituição conceituada e oferecia um atendimento humanizado aos pacientes, embora com métodos de tratamento pouco efetivos. Recebia enorme demanda de pessoas com transtorno mental, sifilíticos, tuberculosos e marginalizados para tratamento ou apenas para os isolar das comunidades.

Com muitos doentes e poucos recursos financeiros, materiais e, principalmente, humanos, o atendimento passou a ser deplorável e com altas taxas de mortalidade. O hospital tornou-se mero depósito de pessoas excluídas da sociedade e Barbacena ganhou o estigma de Cidade dos Loucos.

Em 1977, o Hospital Colônia ganha o nome de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB), uma unidade da antiga Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica (FEAP), e passa a integrar a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), fundada pela Lei Estadual nº 7.088/77.  

No movimento para reverter o modelo desumano de assistência da época, em 1979, um grupo de psiquiatras e profissionais ligados à Saúde Mental organizaram o III Congresso Mineiro de Psiquiatria, em 1979, e o psiquiatra italiano Franco Basaglia foi um dos convidados. Com ideias claramente antimanicomiais, o médico fez uma visita ao hospital e ficou perplexo com o que viu, comparando o Hospício de Barbacena a “um campo de concentração”.  Buscando mudar essa realidade, incentivou os psiquiatras a fazer um trabalho que pensasse na mudança do modelo assistencial, com o objetivo de resgatar a dignidade dos internados.

Ainda nesse ano, o jornalista Hiram Firmino publica no jornal Estado de Minas a série de reportagens Nos Porões da Loucura; e o cineasta Helvécio Ratton lança Em Nome da Razão, um documentário que mostra a vida dentro do hospício.

As denúncias chocaram a opinião pública e levaram as autoridades a tomar providências para acabar com a degradação existente no hospital. Novos profissionais foram contratados e os psiquiatras que participaram do Congresso foram enviados para Barbacena para reestruturar a instituição. Em um profundo processo de transformação, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena empenhou-se no resgate da cidadania e a reintegração social dos usuários.

Atualmente, a instituição promove especial atenção à saúde, como assistência integral aos pacientes moradores do hospital, herança de um tempo em que não havia grandes preocupações com a reabilitação e reinserção na sociedade; assistência especializada a pacientes com transtornos mentais em fase aguda; ambulatório com atendimento ao público externo e a egressos da Unidade de Internação de Agudos, pacientes das Casas Lares e pacientes das Unidades de Longa Permanência; Oficinas Terapêuticas para moradores, pacientes da Unidade de Internação de Agudos e usuários externos do CHPB. Ainda trabalha a reabilitação psicossocial dentro do projeto de desinstitucionalização, com a Casa Lar, e mantém a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI), assistência promovida por equipe multidisciplinar que busca potencializar os cuidados, com intervenções de saúde e de apoio social para melhorar o bem-estar dos pacientes em condições de dependência funcional.

A instituição desenvolve também o Programa de Residência em Psiquiatria, credenciado pela Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação (CNRM/MEC), que objetiva colaborar na formação de profissionais. Ainda na área acadêmica, a instituição funciona como estágio para alunos de graduação. E, por meio do Museu da Loucura, recebe regularmente alunos de diversas instituições de ensino para visitas técnicas orientadas.

"O Museu é uma atração não apenas para o meio acadêmico, mas para toda a comunidade. Isto porque, além de mostrar a história do antigo manicômio, com exibição de equipamentos, fotografias, documentação de dados coletados e pesquisados em todo o estado, enfoca a atual abordagem do tratamento psiquiátrico que vem sendo desenvolvida com os pacientes"

O Museu da Loucura

Em fevereiro de 1987, foi montada no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, uma exposição com fotos, documentos, reportagens, objetos e instrumentos do antigo Hospital Colônia. Com isso, ganha força a proposta de criação de um museu, visando resgatar a história da assistência psiquiátrica pública em Minas Gerais e ainda servir como centro de documentação e pesquisa na área da Psiquiatria. Começam as negociações para a instalação do museu.  

Mas apenas em 1996 conseguiu-se retomar a ideia do espaço. A Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), por meio do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, firmou convênio com a Fundação Municipal de Cultura (FUNDAC) para concretizar a instalação do Museu dentro do projeto Memória Viva, mantendo em seus locais originais o núcleo histórico.  

Escolhido como local de instalação do museu o torreão do hospital, começa o trabalho de pesquisa, recolhimento de peças e textos para montar o acervo. É então inaugurado, em 16 de agosto de 1996, o Museu da Loucura.

“O Museu é uma atração não apenas para o meio acadêmico, mas para toda a comunidade. Isto porque, além de mostrar a história do antigo manicômio, com exibição de equipamentos, fotografias, documentação de dados coletados e pesquisados em todo o estado, enfoca a atual abordagem do tratamento psiquiátrico que vem sendo desenvolvida com os pacientes. Isso proporciona abertura para as pessoas aceitarem melhor o portador de sofrimento psíquico e colaborarem no projeto de reintegração do paciente na comunidade.” – comemora Lucimar Pereira.  

Em 1997, foi inaugurada no Museu a Galeria de Arte Dr. José Ribeiro de Paiva Filho, que abrigou várias exposições, oferecendo oportunidades para artistas da região e para mostrar os trabalhos manuais e artísticos feitos pelos moradores e usuários do CHPB.  

Com o projeto de revitalização do Museu da Loucura, a Galeria, que funcionou até 2014, foi reestruturada para incluir o acervo da exposição permanente e, com isso, as exposições temporárias passaram a ser realizadas no auditório, um espaço multifuncional.  

A exposição permanente do Museu apresenta, além da história do hospital, informações sobre a reforma psiquiátrica, a trajetória da luta antimanicomial e os serviços substitutivos em Barbacena, ampliando o conceito histórico e acrescentando recursos tecnológicos, e, dessa forma, modernizando o circuito expositivo.  

“Com as portas abertas para a visitação pública, há um envolvimento maior com a comunidade, o que é bom para os pacientes e para a própria comunidade, que precisa entender que a doença mental não requer necessariamente o isolamento total do doente e sua exclusão da sociedade. Assim, o Museu é mais um avanço no processo de humanização que o CHPB tem experimentado. E é uma referência fundamental para o conhecimento histórico sobre o primeiro hospital psiquiátrico de Minas Gerais, promove a quebra do estigma contra o portador de sofrimento mental e desperta reflexões sobre as fronteiras entre a loucura e a razão.” – arremata Lucimar.

O Museu da Loucura foi inaugurado em 16 de agosto de 1996

Pirô Criô

Foi criado, em 1992, o Centro Social, um espaço de atividades que se propõe a ser diferenciado, onde a arte é o caminho de expressão. Atende moradores do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena e usuários oriundos da rede de saúde mental.  

Segundo a terapeuta ocupacional Jéssica Salgado, artesanato, pintura, jardinagem, jogos, dança, música, dentre outras oficinas terapêuticas em saúde mental ajudam o usuário na organização de sua rotina, mostrando que é possível criar, produzir e ser ativo, resgatando sua identidade e favorecendo a reinserção social.

Em 2005, utilizando brincadeiras de roda e sons de vários objetos musicais confeccionados com material reciclado e, posteriormente, com instrumentos musicais que foram adquiridos, foi criada uma “bandinha”. A princípio, os cantos trazidos pelos participantes eram de origem sertaneja e carnavalesca e, no decorrer das atividades, foram sendo introduzidas novas modalidades, como samba-canção, MPB, músicas folclóricas, cantigas de roda, dentre outras, oferecendo aos participantes uma visão mais ampla e conhecimento musical.

Mais tarde formou-se o coral “Pirô Criô”, que atualmente se apresenta internamente e em outros espaços culturais da cidade.

“Os efeitos terapêuticos da música favorecem a expressão de sentimentos e melhoram a autoestima, além de promover a interação dos usuários com a comunidade, fortalecendo os vínculos e as relações sociais”, afirmam as atuais coordenadoras do coral, a assistente social Adriana Mota e a psicóloga Beatriz Armond, que respondem à pergunta a seguir.

Qual conselho você daria para alguém que deseja iniciar um projeto de arte, cultura e saúde pelo Brasil?

Um projeto envolvendo arte precisa ser criado a partir do desejo dos profissionais juntamente com os usuários, construindo um espaço de trocas de experiências e buscando sua integração no contexto social. Devemos acreditar no projeto como possibilidade de transformação dos sujeitos envolvidos, necessitando, para isto, de um embasamento teórico e muita persistência durante todo o processo de construção.