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Saúde com Arte: Cidadela (RJ)

Espetáculo do Museu da Vida propõe reflexões sobre a igualdade entre os gêneros

Publicado: 16/11/2022 | 12h03
Última modificação: 23/11/2022 | 09h58

Na série “Saúde com Arte”, o Centro Cultural do Ministério da Saúde (CCMS) divulga iniciativas espalhadas pelo Brasil que unam cultura, arte e saúde. No segundo texto da segunda edição da série, conversamos com a Letícia Guimarães, diretora da peça teatral Cidadela, em cartaz desde 2019 no Museu da Vida (RJ). 

Se você faz parte ou conhece algum grupo que dissemina cultura, saúde e arte pelo Brasil, envie um e-mail para nós: ccms@saude.gov.br  

Texto: Flávia Menna Barreto (Centro Cultural do Ministério da Saúde) 

Fotos: Peter Illiciev 

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É confortável pensar que vivemos num mundo permeado por igualdades, por pessoas que são tratadas de forma semelhante, onde todos podem disfrutar de privilégios similares. Mas o machismo e a misoginia nos chamam à realidade e se manifestam como intrínsecas à realidade da cidadela "Vem quem Quer". Nela, as mulheres só podem falar uma estação por ano - quando os homens saem. Essa regra é o ponto de partida da peça teatral Cidadela, que tem como propósito provocar reflexão sobre os papéis sociais impostos ao gênero feminino e sobre a importância das mulheres, seja na família, educação, arte, ciência ou na política. 

Com duração de 50 minutos, a peça gratuita, promovida pelo Museu da Vida, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), no Rio de Janeiro (RJ), narra a história de quatro mulheres, representando quatro gerações diferentes. Todas elas dão vazão aos seus pensamentos na tentativa de se empoderarem da própria existência, em meio a uma sociedade tradicional e conservadora. Com texto do dramaturgo Rafael Souza-Ribeiro e direção de Letícia Guimarães, Cidadela mostra como a arte pode contribuir para o desenvolvimento crítico, protagonismo feminino e quebra de estereótipos de gênero.  

 

Atrizes de Cidadela em cena

“Encomendei um texto para o Rafael Souza-Ribeiro que abordasse a equidade de gênero na Ciência e nós conversamos muito sobre as maneiras de debater a questão, sobre o que é a Ciência, qual o papel da mulher e os silenciamentos que a mulher negra sofre. Nós entendemos que esses problemas não são especificamente da Ciência, sendo apenas um espelho da sociedade. Por isso, criamos a fábula da Cidadela. A história dessa cidadela fictícia poderia acontecer em qualquer ano e território, mas também representa sempre o hoje, como toda fábula” – conta Letícia Guimarães. 

O elenco é formado por quatro atrizes negras cisgênero e transgênero. Em 2022, Loullys Maranhão, Rebecca Gotto, Sara Hana e Walda Domingues deram vida às personagens Juçara Brio Forte, Justa Plena de Si, Nina Garota e Marina Lá Se Foi. “A decisão de colocá-las como protagonistas da produção foi uma escolha política e tem um papel muito importante. Há mais de dez anos, trabalhamos aqui no Museu da Vida com atores e atrizes negras em papéis de protagonismo. Ter um elenco exclusivamente com atrizes negras aconteceu pela primeira vez em Cidadela e espero que não seja a última porque isso faz toda diferença na construção e na luta por igualdade de papeis, não só na arte, mas também na sociedade” – destaca. 

 

 

“Abordar as questões raciais e sociais e furar a nossa bolha traz dores, incômodos e mergulhos na história colonial e racista do nosso País, que é perpetuada até hoje. É um mergulho doloroso para todos e todas. Ao mesmo tempo, o ganho é muito grande” – complementa. 

Outro destaque da peça é a acessibilidade. O espetáculo conta com sessões com rampas para cadeirantes, audiodescrição e intérpretes de libras (que também são mulheres pretas). Como o teatro envolve afetos, sensações, sentimentos, acolhimento e amor, oferecer acessibilidade e cumprir o direito de as pessoas usufruírem da obra de arte é indispensável. E os organizadores de Cidadela fazem questão de colocar os intérpretes dentro da cena, recebem as pessoas cegas ou com baixa visão com muita antecedência, acolhem a todos e fazem um tour por todo o cenário, descrevendo os objetos em cena com o tempo que cada pessoa tem para usufruir, fazer perguntas, tocar e sentir. 

 

 

O Museu da Vida também abre as portas para a população dos territórios de Manguinhos e Maré com sessões especiais de Cidadela. “A Fiocruz é um templo da Ciência e do saber. E nossa luta como educadores, artistas, cidadãos, funcionários e servidores públicos é aproximar as pessoas desse templo, para que se sintam parte, já que são vizinhas. É importante tratarmos os vizinhos com carinho especial porque são eles que constroem o nosso território. A Fiocruz é deles, o território é deles. Quando eles assistem à Cidadela é muito comovente. A alegria, prazer, empoderamento, identificação e representatividade, despertadas ao ver essas pessoas em cena e fora de cena, tão talentosas, exaltadas, felizes e brilhantes, é muito bonito e inspirador para todos nós, sobretudo para o nosso público. O público local reconhece nas personagens as mulheres da sua família, igreja, escola, vizinhança e desmitifica essa ideia de templo sagrado da Ciência para poucos, quebra um pouco as barreiras do racismo institucional que existem no Brasil” – ressalta.   

 

 

Como planos futuros, Letícia sonha com convites e parcerias institucionais que possibilitem a itinerância da produção. Quando o espetáculo retornou ao palco do Museu, após paralização durante a pandemia da covid-19, foi desenvolvido um cenário mais simples e mais fácil de desmontar e transportar. Com isso, Cidadela pode facilmente extrapolar os muros da Fiocruz e ser assistida por pessoas de outras regiões da cidade e até de outras cidades e estados, alcançando novos públicos. 

 

Serviço Cidadela:

Quando: quintas, 10h30 e 13h30
Onde: Tenda da Ciência, Museu da Vida (RJ)
Idade: a partir de 12 anos

Qual conselho você daria para alguém que deseja iniciar um projeto de arte, cultura e saúde pelo Brasil?

Meu primeiro conselho é que façam, pois nosso País é muito carente de projetos que articulem Arte e Ciência. Fora do Brasil, ao contrário, existem diversas linhas de fomento e formação de plateia para esse tipo de manifestação artística. 

A Arte e a Ciência caminham juntas há milênios. Uma não existe sem a outra. Elas são baseadas na investigação, na pesquisa e são feitas por pessoas apaixonadas. Artistas e cientistas têm muito mais em comum do que se possa imaginar e quando se unem promovem grandes acontecimentos sensoriais. 

Nós, artistas, temos a função de promover o debate para que as pessoas sempre saiam do nosso espetáculo, da nossa obra, diferentes de como entraram. Um ótimo caminho para isso é através do humor, do amor, pois são nas emoções e no sensorial que a gente sensibiliza. Como artistas, nosso caminho e veículo de transformação social é através do sensorial. Então, minha dica é que caprichem no visual e no humor. Sem dúvidas, o humor é capaz de quebrar todas as barreiras. Rir é muito importante para o povo brasileiro e nos une e nos irmana. Então, vamos rir muito! Brincar, celebrar, incluir, trocar, emocionar, surpreender: essas são as funções do artista. 

(Letícia Guimarães)