Hospício de Pedro II

da construção à desconstrução

"Que dizer da loucura? (...) Não há espécies, não há raças de loucos; há loucos só.
Há os que deliram; há os que se concentram num mutismo absoluto.
Há também os que a moléstia mental faz perder a fala ou quase isso"

Lima Barreto

O Cotidiano

O modelo asilar no Brasil foi instituído a partir das ideias do alienismo francês, cujo projeto via no médico a principal figura dentro da instituição. Por sua capacidade de oferecer a cura ao paciente, ele deveria ter também todo o poder necessário sobre o tratamento oferecido, sobre a administração interna e a disciplina a ser imposta no Hospício. O médico Antonio Pereira das Neves foi enviado à Europa para estudar os principais hospitais e as últimas tendências no tratamento médico a fim de trazer todas as informações sobre a assistência a alienados, fazendo com que o Hospício de Pedro II pudesse ser comparado às grandes instituições europeias, sobretudo as francesas¹.

Ele ficava localizado fora da agitação da cidade, como queriam os alienistas. Esta escolha considerava mais os motivos de arrendamento dos terrenos da Santa Casa do que a busca de silêncio e de ar puro, tidos como elementos facilitadores do tratamento aos alienados. A arquitetura ostentosa, que foi muito bem vista no período de construção, logo foi contestada diante da pouca utilidade para a divisão do espaço terapêutico. O tratamento médico de admissão e acompanhamento dos alienados baseava-se nos princípios mais modernos da ciência alienista, juntamente com práticas e costumes do saber popular e da igreja.

A loucura, antes vista como uma expressão humana e inerente ao homem, fora transformada em um objeto de análise, considerando seu caráter de periculosidade, o que implicava no isolamento dos doentes. Observando estes aspectos com atenção, pode-se perceber que a principal justificativa para a internação dos loucos era predominantemente de ordem moral, ao contrário do que se podia esperar de um contexto em que o saber médico estivesse presente.

Em 5 de dezembro de 1852, o Presidente da Imperial Academia de Medicina, Dr. Paula Cândido, proferiu um discurso na solenidade de inauguração da estátua em homenagem ao Imperador, oficializando a abertura do Hospício de Pedro II. Presentes à inauguração estavam o Imperador e sua comitiva, bem como outras autoridades da época.

Em 8 de dezembro do mesmo ano, o Hospício começou a funcionar e recebeu pacientes oriundos da enfermaria provisória da Praia Vermelha e da Santa Casa da Misericórdia. Apesar disso, as obras foram concluídas apenas em 1855. Seu primeiro diretor foi o médico Manuel José Barbosa.

Naquela época, o Hospício era uma das melhores instituições psiquiátricas do mundo: grades, celas de isolamento, quartos fortes, instrumentos de música para tratamento ocupacional, oficina para trabalhos manuais, espaço, claridade e pátios arborizados.

O primeiro responsável pelo serviço clínico foi o Dr. Lallement, substituído pelo Dr. Barbosa em 9 de fevereiro de 1853, que passou a ser responsável pelo tratamento das mulheres. Havia ainda o Dr. Pereira das Neves, que cuidava dos homens. Quando Barbosa assumiu, havia 127 alienados, sendo 61 homens e 66 mulheres.

O espaço terapêutico possuía três distribuições – por sexo, classe econômica e comportamento – para alocar os pacientes nos pavimentos. O primeiro pavimento era destinado para os homens e o segundo para as mulheres. A instituição comportava 350 pacientes; os indigentes eram recebidos gratuitamente e os pensionistas pagavam diária de acordo com sua classe (da 1ª à 3ª classe). Os pensionistas de primeira classe possuíam quarto individual; na segunda classe, o quarto era dividido para dois alienados; já na terceira, ficavam em enfermarias para 15 pessoas.

Os pensionistas de primeira e de segunda classe eram subdivididos em alienados tranquilos e agitados; os da terceira classe, por sua vez, eram subdivididos em alienados tranquilos limpos, agitados, imundos e afetados de moléstias acidentais.

As atividades laborais, ou seja, aquelas que tinham características de trabalho como terapêutica, eram recomendadas por motivos higiênicos e morais. No entanto, era obrigatório apenas para a terceira classe; para os pacientes das duas primeiras classes era recomendada somente a frequência à biblioteca, não existindo a obrigatoriedade de trabalho como coadjuvante na cura do paciente. A diferença de tratamento também se refletia nos cardápios e nos horários das refeições.

Em janeiro de 1854, algumas oficinas foram criadas a pedido do Dr. Manoel José Barbosa. Do lado oposto a estas oficinas ficavam a lavanderia com máquina a vapor e a sala de engomado, onde as alienadas lavavam e engomavam as roupas do hospital. Havia outras dependências, como a sala de cirurgia, com uma maca de cristal, a sala de hidroterapia, a sala de ginástica médica, o ateliê de costura e o pavilhão de observação.

Os relatórios da época descreviam o funcionamento cotidiano do Hospício, o quadro de moléstias que causavam os óbitos, o mapa que registrava as naturalidades dos pacientes internos, os mapas estatísticos diários que comprovavam o número de internos, de óbitos e a divisão dos internos por classe social e sexo. O registro pessoal de cada paciente era realizado por meio de prontuário, no qual constavam sua história e seu diagnóstico.

No final do século XIX, o Dr. João Carlos Teixeira Brandão, clínico do Hospício, denunciou as condições em que os pacientes se encontravam e apontou as muitas dificuldades em manter a identidade do Hospício de Pedro II com uma instituição verdadeiramente científica e com elementos de valor terapêutico na rotina hospitalar, como deveria ser. Apesar da bela arquitetura, esta pouco ajudou nos propósitos médicos. O "palácio" começou a receber muitas críticas, assim como as ações médicas ali realizadas. Começava uma fase em que mudanças se faziam indispensáveis para a continuidade do projeto alienista brasileiro.

¹ MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: a medida social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1978. 426p.

Esta fotografia em sépia e desbotada mostra vista aproximada de pessoas em pátio externo de um edifício antigo. São homens e mulheres sentados, em pé ou caminhando. Notam-se as janelas grandes em formato de arco e parte da copa de uma árvore à extrema esquerda.

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