Correspondências
Arquivo Nacional
Código de Acesso: IS³21 (1900-1901)
Em 9 de Março de 1901
Snr. Ministro.
Levo ao conhecimento de S. Ex.ª que o alienado João Conrado dos Santos, preto, de 46 annos de edade, solteiro, brasileiro, entrado a 6 de Março corrente com guia n.º 90 da Secretaria de Policia d’esta Capital, suicidou-se hoje pela madrugada, suspendendo-se á grade de ferro da bandeira de um dos quartos acolchoados do Pavilhão de observação, servindo-se para esse fim de tiras de pannos tirados da camisa e das peças de curativos que protegiam um ferimento penetrante à região abdominal.
Este doente entrou pela primeira vez no Pavilhão de observação a 4 de Janeiro d’este anno, com extenso e profundo ferimento feito com instrumento cortante na parte anterior e lateraes do pescoço.
Agitadissimo, não podendo ser ali conservado por não offerecem as dependencias do Pavilhão a segurança necessaria, e para attender as exigencias do curativo que o doente procurava constantemente destruir, dando logar a francas hemorrhagias, foi no dia seguinte removido para o Hospicio, onde continuou em observação, dominado pelo intenso delírio persecutorio, allucinações auditivas e illusões.
Do quarto dia em diante todo este estado alarmante foi se modificando progressivamente a ponto de, já perfeitamente calmo, cicatrizado todo o ferimento, e prestando mesmo pequenos serviços na enfermaria em que estava, ter alta a 15 de fevereiro, sendo n’esse mesmo dia transferido para a Casa de Detenção, onde se achava, por tentado contra a existencia de sua amasia e de uma filha.
Foi de novo internado no dia 6 do corrente, com certa agitação e sob a influencia do delírio persecutório e de allucinações auditivas. Mais calmo no dia seguinte, lamentando sempre a sua sorte e da família, pos termo a sua existencia pelo modo já indicado.
Melancolico delirante, atormentado pelo delirio de perseguição, já tendo tentado exterminar a família e a si proprio, tendo se mostrado bastante contrariado por ter de voltar para Casa de Detenção quando teve alta, porque então acreditava ter morto sua filha e nunca mais teria de sair da prisão, dominado por esse delírio que elle via confesinado pelos delitos commettidos, dissimulando certa calma, tendo pedido pouco antes da meia noite água ao rondante, poz termo essa vida tribulada, para liberta-se de vez de seus perseguidores, terminação esta não rara n’esta forma de loucura.
Foi levado o occorrido ao conhecimento do D. Chefe de Policia para os effeitos legaes.
Saude e fraternidade.
O Director.
D. Pedro Dias Carneiro
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Despacho do Sr. Ministro
1.ª Secção.
Directoria do Interior.
No incluso officio n.º 191 de 9 de março corrente, o Director do Hospicio Nacional de Alienados traz ao conhecimento Sr. Ministro que o alienado João Conrado dos Santos, preto, de 4 annos de edade, solteiro, brazileiro, entrado a 6 do dito mez com guia n.º 90 da Secretaria de Policia deste Capital, suicidou-se pela madrugada da primeira das referidas datas, suspendendo-se á grade de ferro da bandeira de um dos quartos acolchoados do Pavilhão de observação servindo-se p.ª esse fim de tiras de pannos tirados da camisa e das peças de curativo que protegiam um ferimento penetrante á região abdominal.
Fazendo uma exposição de tudo o que occoreu desde a entrada do enfermo no Hospício até o fatal desenla e , o communica o Director daquelle estado de cimento faz scientificado do facto o Dr. Chefe de Policia.
Tendo sido já dadas as providencias sobre o caso, para que estes papeis poderão ser archivados.
Em 12 de março de 1901.
Araujo Silva
Visto
Candido Rosa
Araujo Jr.