Correspondências


Arquivo Nacional

Código de Acesso: IS³6 (1858-1863)



1º Quesito - Qual o maximo numero de alienados de ambos os sexos que pode conter o Hospicio debaixo do ponto de vista do tratamento e curativo; que a sciencia prescreve e recomenda?


Resposta -  O Hospicio de Pedro Segundo foi construido para receber 350 alienados. Elle porem não pode conter mais do que 300, isto é 150 de cada sexo, se se quizer que estes áo evites doentes fiquem perfeitamente accomodados e possão receber o tratamento que a sciencia aconselha, guardando-se na destribuição de taes doentes as divisões aconselhadas pelos melhores praticos segundo as differentes formas da loucura.



2º Quesito - Qual o numero de doentes epilepticos, idiotas, imbecis e, que podendo viver inoffensivos em suas familias, e sendo incuraveis, fôra todavia admettido no Hospicio, e n´elle existe actualmente?


Resposta -  Entre os homens existe 29, que são idiotas, imbecis, epilepticos e paraliticos, verdadeiros  fardos com que carrega o Estabelecimento, e que por certo serião conservados pelas respectivas familias, se não existisse o Hospicio de Pedro Segundo.


Entre as mulheres 20 que são idiotas, epilepticas, imbecis, paraliticas e velhas decrepitas, e que tambem não deverão estar hoje no Hospicio. Não queremos com isto dizer que aqui só devem ser recebidos os alienados curaveis; queremos somente evitar que continuem as remessas de doentes pela forma por que até aqui tem ellas tido lugar, e que, a continuarem, fusão do Hospicio de Pedro Segundo uma verdadeira casa dos invalidos.

Os medicos alienistas mais distinctos estão divididos acerca da admissão dos doentes curaveis e incuraveis em um mesmo Estabelecimento. Querem uns que em um Hospital só se recebão alienados curaveis; querem outros que se recebão tambem os incuraveis, e que se rejeitem os idiotas e os epilepticos; outros finalmente são de opinião que tambem se recolhão os idiotas, epilepticos, imbecis, os dementes estupidos e os inmundos.


Esquirol em uma memoria ao Ministro do interior em 1818 pronunciou-se a favor do principio de separação dos curaveis e incuraveis. Fallando dos oito estabelecimentos de alienados então existentes em França, em Armentieses, Avignon, Bordeaux, Charenton, Lille, Marseille, Mariville e Reumes, o ilustre professor exprimio-se por este modo: “Nestas Casas admittem-se os epilepticos de mistura com os alienados e algumas vezes individuos de má conducta, libentinos sahidos das Casas de correcção. Recebendo-se tambem os incuraveis, que ahi se conservão até a morte, podemos dizer que em França não há estabelecimento especial e exclusivo para o tratamento da loucura.


Quer ainda Esquirol ( na mesma memoria ) que se construa um pequeno numero de estabelecimentos, cada um dos quais pudesse conter de 150 a 200 doentes em tratamento, e pensa que elles poderião servir de modelo, escola de instrucção e objectos de emulação para outros estabelecimentos, e que elles só se deverião receber doentes em condições particulares como se pratica em Bedlam em Londres.


Nas suas considerações sobre o que deve ser um bom hospital de loucos, Gualandi exclue d´elle os incuraveis: pensa que estes doentes devem ser conservados em um estabelecimento especial destinado a recebel-os, onde se pudesse tirar algum partido de sua miseravel existencia, e alliviar tanto quanto fosse possivel sua triste condição. Quando não existisse semelhante, asilo, pensa Gualandi que devião collocar-se em uma ala separada do edificio.


Jacobi pensa que um asilo de alienados é uma Casa de tratamento. Exclue d´ella e reserva para as Casas de refugio e de se governar os alienados incuraveis, que possão ser desagradaveis ou nocivos aos doentes susceptiveis de cara. Reconhecendo a difficuldade que ha em pronunciar-se o Medico sobre a curabilidade e incurabilidade de certos alienados, Jacobi pensa todavia que em um grande numero de casos pode o Medico pronunciar-se com toda a probabilidade e até com certesa. Chama este pratico casos incuraveis o idiotismo congenial ou consecutivo ás lesões cerebrais da primeira infancia, a imbecilidade consecutiva a uma longa duração de mania ou do delirio, ás hemorrhagias, ás inflammações e outras enfermidades cerebraes, a decrepitude senil, a mania e a demencia, que, datado de longo tempo, se complicarão com a epilepsia, ou que succederão a uma a afflicção epileptica inveterada. Quanto aos outros doentes Jacobi julga que se pode sem inconveniente estabelecer como principio que aquelles, que depois se submetidos por espaços de dous annos a um tratamento assiduo, expirimentarão melhoras, devem ser removidos para uma Casa de segurança.


O editar da tradução inglesa do tratado de Jacobi, o honrado Snr. Samuel Tuke, um dos Directores do asilo do Retiro perto do York, destinado para o tratamento dos alienados da sociedade dos amigos, e de opinião que, a separação dos idiotas e dos imbecis seria um grande beneficio para muitos estabelecimentos, e que haveria vantagem em construir-se para estes doentes estabelecimentos mais simpleces e menos despediosas que os asilos apropriados ao tratamento da alienação mental. Samuel Tuke todavia não partilha inteiramente as opiniões de Jacobi sobre a utilidade e conveniencia da separação dos curaveis e incuraveis: elle não admitte tambem como absolutamente necessaria a separação dos idiotas, dos imbecis e dos alienados os mais violentos, senão n´aquelles lugares, em que , havendo um só estabelecimento de alienados, existisse um numero maior do que a Casa pudesse conter.


A Commissão encarregada em 1841 pelo Ministro da Justiça de prôpor um plano para melhoramento de condição dos alienados da Belgica e a reforma de taes estabelecimentos, decidio-se, por considerações sobre tudo administrativas e economicas, a apoiar a reforma sobre o principio de separação dos alienados curaveis e incuraveis em estabelecimentos dinstinctos.


Na Inglaterra foi sob o ponto de vista administrativo e economico que esta questão foi examinada pela Commissão metropolitana. No seu relatorio apresentado ao lord chanceller e ás duas Camaras no anno de 1843 a 1844, esta Commissão pronunciou-se em favor do principio da separação dos doentes curaveis e dos incuraveis, e concluio sobre a necessidade da creação de asilos distinctos  para os curaveis e casas de refugio para os incuraveis.


Este relatorio foi fortemente combatido pelo Dr. Conolly, que , apresentando a impossibilidade de separar absolutamente os alienados de um asilo em curaveis e incuraveis, mostrou que era uma crueldade condemnar estes doentes a uma prisão talvez perpetua, alem do perigo que havia em poder-se algumas vezes comprehender n´esse numero doentes curaveis.


O Dr. Conolly mostrou mais que a Commissão havia esquecido que entre os incuraveis há um grande numero de doentes mais sensiveis ás circunstancias exteriores que os alienados affectados de mania recente, que a maior parte d´entre elles tem mais necessidade de occupar-se, de fazer exercicio e de outras distrações, que os proprios curaveis. O Dr. Connolly foi mais longe ainda e mostrou que doentes paraliticos e epilepticos são susceptiveis de accessos de furia.


A ideia de destinar exclusivamente para os doentes curaveis o hospital, que a administração dos hospitaes propoz-se a crear em Paris foi combatida em 1834 por Ferrus, então Medico de Bicêtre, que sendo nomeado depois Inspector geral do serviço dos alienados, mostrou-se constantemente opposto á separação dos doentes curaveis e incuraveis em estabelecimentos distinctos. Ninguem duvida, diz o sabio Professor, que seja um dever para a Capital a fundação de um hospital, que possa servir de modelo: não penso todavia que elle deva ser só para os doentes curaveis, pois que graves incovenientes resultarião de uma tal separação. Os incuraveis ficarião por assim dizer abandonados e com uma tal separação o Medico privado do estudo comparativo dos differentes gráos da loucura, estudo tão necessario e tão importante para o progresso da sciencia.


O Snr. Fabret em 1845, dando noticia sobre o asilo de Illeneau, consignou a mesma opinião, que já havia emitido no seu curso clinico e theorico das molestias mentaes.


A questão dos asilos inteiramente distinctos para os doentes incuraveis, diz o Snr. Fabret, merece tanto mais a nossa attenção, quanto já em Paris homens eminentes manifestarão muitas vezes o projecto de destinar- lhes Bicêtre e Salpetière, e levantar um grande e bello estabelecimento exclusivamente para os alienados curaveis. Fazer duas especies de asilos, uns para os incuraveis, outros para os curaveis, é como de um só golpe uma das maiores difficuldades, a da não curabilidade, entretanto que em muitos casos a sciencia não nos permitte sermos positivos a semelhante respeito. Pode o tempo decorrido desde a invasão da molestia servir de criterium? É sem duvida um dos elementos do prognostico, mas está longe de ser o mais deanimador, pois que em Illeneau mesmo já vimos um alienado quasi curado depois de 32 annos de molestia! A forma da loucura tambem não pode servir, por quanto doentes completamente dementes tem sarado!


O Sr. Paschappe, que se oppõe á separação dos alienados, e com elle todos os medicos Francezes, que depois de Esquirol escreverão sobre as regras a seguir na creação dos asilos de alienados, com, B. de Boismont, S. Pinel, Pasquier , Bottery e Girard, adaptarão o principio da reunião dos alienados curaveis e incuraveis em um mesmo estabelecimento.


Fabret e Girard adaptarão a ideia de excluir de taes estabelecimentos os epilepticos e idiotas. A França não tem estabelecimento algum especial para os curaveis; a maior parte de seus estabelecimentos contem a idiotas e epilepticos. Alguns recebem mesmo epilepticos se não alienados , como Bicetre e Salpetrière e os asilos de Limoges e Moulins.


O asilo de Bedlam em Londres é o único da Inglaterra, que tem o caracter de uma casa de tratamento para os curaveis. Todos os estabelecimentos d´esde paiz e dos Estados- Unidos recebem doentes curaveis e incuraveis.


Na Alemanha os asilos de Achesn ( Illenau, grão ducado  M. Baden ) e de Sonnenstein não são mais que asilos especiaes, que contem incuraveis e fazem excepção relativamente á maior parte dos outros estabelecimentos Allemães. Os asilos construidos ou projectados mais recentemente comprehendem em um mesmo estabelecimento todas as formas e todos os gráos da alienação mental. A questão da separação dos curaveis e incuraveis está redusida, mesmo na Alemanha, a uma questão de classificação interior.


Estas são as ideias geralmente seguidas hoje na sciencia, e que não podemos deixar de adoptar com algumas modificações. Não devemos receber somente os doentes curaveis, isto é, os maniacos de recente data; um grande numero de dementes tem direito aos nossos cuidados. Os epilepticos perigosos (que são os casos de mania complicada de epilepsia), sendo os loucos mais furiosos, não podem deixar de ser aqui recebidos, com quanto sejão reputados incuraveis. Um ou outro paralitico, que ainda possa mover-se, e que apresente tendencias ou para o homicidio ou para o suicidio, não pode existir fóra do hospital. Por maneira alguma porem devemos dar entrada aos idiotas, aos epilepticos,que já cahirão no estado de imbecilidade, e que por isso não podem mais ter accessos de furia, aos paraliticos que não podem levantar-se, e aos velhos decrepitos. Se a estes enfermos devemos negar entrada, igual conducta devemos ter d´hoje em diante para com os pretos libertos, cujos Snr.es , tendo desfructado seus serviços por longo tempo, julgão bem remuneral’os, passando-lhes a carta de liberdade depois de declarada a alienação mental, e entregando-os á Policia, que se encarrega de remettel´os para o Hospicio.


Nos Hospitaes da Europa de que já fallamos, recebem-se todos estes doentes, mas ahi há acommodações para todos elles, e portanto pode o medico fazer todas as divisões necessarias: cada uma d´estas divisões constitue em forma pequenos hospicios dentro de um grande hospital, e não há duvida que debaixo do ponto de vista administrativo e economico muito ganha a administração d´esses hospitaes. Maiores serião as despezas, se os doentes estivessem em asilos separados.


O Hospicio de Pedro Segundo foi levantado para 350 alienados, e entretanto muito se gritou contra o seu ilustre fundador, dizendo-se que no Brazil todo não se poderão  achar loucos para inchel´o .Hoje já fechamos a porta, e de todos os lados requerem-se, novas admissões. É necessario portanto escolhermos os doentes, e não recebermos invalidos, em prejuiso de outros com probabilidades de cura. Entre nós não há remedio senão estabelecermos de alguma sórte a divisão geralmente reprovada; a casa está cheia, não póde comportar um maior numero de doentes.



3º Quesito - Qual a medida que deva ser adaptada afim de evitar que as authoridades policiaes e outras remettão para o Hospicio enfermos que não devão ser admittidos n´elle?


Resposta -  Difficil senão impossivel é responder a este ponto. Para onde mandará a policia esses homens, quando não se queira que fiquem elles retidos no Xadrez de sua repartição, ou na Casa de detenção, em qualquer dos casos sempre de mistura com homens criminosos?

Acreditamos que na actualidade a policia só póde remettel´os ou para o Hospital da Misericordia, ou para o Hospicio: em cada um d´estes hospitaes porem devem os medicos respectivos proceder immediatamente ao competente exame, e, logo que vejão que não estão no caso de ser recebidos, mandal´os embora, ou officiar á policia para que os remetta- ás respectivas familias.



4º Quesito - Qual outra deva ser tomada para evitar que as Casas de Misericordia das Provincias continuem a exonerar-se dos seus alienados, e a remettel´os para o Hospicio?


Resposta - Obrigal´as a pagarem por taes doentes as diarias que pagão os pensionistas da 3ª Classe, responsabilisando-se tambem pelas despezas de viagem, que possão fazer os mesmos doentes, caso tenhão de regressar com alta.


Hospicio de Pedro Segundo

1º de Novembro de 1858


Dr. Manoel José Barbosa

Dr. Joaquim Antonio de Araujo Sª

Dr. José Theodore da Silva Izambuja